O acordar do povo
Hoje na marcha, escutei
muitas vezes o canto que diz que "o povo acordou". Isso
ficou na minha cabeça.. O povo realmente acordou? De que povo a
gente estava falando quando gritava isso? Por que por mais que a
gente fosse parte do povo brasileiro, com certeza a gente não era
todo o povo brasileiro. Quer dizer, tem uma boa parte do povo que não
estava na marcha, e nós estávamos gritando que nós éramos o povo
brasileiro, naquele momento lá, reivindicando nossos direitos,
cansados de toda a injustiça. E de certa forma, isto era verdade. A
gente era o povo brasileiro, por que nasceu no Brasil, é resultado
do Brasil, e vive o Brasil, ainda que muitas vezes não pareça. Ao
mesmo tempo, a gente também é povo de outros povos, de outros
países, que de alguma forma também são parte do Brasil.
Isso foi fazendo
sentido na minha cabeça, enquanto eu via a marcha sair da praça
Sete de Setembro, subir o viaduto da Antônio Carlos, e fez mais
sentido ainda quando depois do viaduto eu tive que sair da A.C. e
voltar pela outra mão afim de chegar ao meu trampo, e foi quando eu
percebi as outras pessoas que observavam, e pude ver a marcha na
perspectiva delas... um mendigo que levava praticamente tudo que
tinha em uma bike, uma vendedora ambulante na rua, um jovem que
também parecia ir ao trabalho... Essas pessoas também eram o povo
em uma outra marcha: a que fazemos para sobreviver.. E aquele grito
foi ouvido ali da calçada, sai da frente que o povo acordou! E o
povo ouviu esse grito! Agora eles não se vêem mais como um povo que
dorme, que é enganado... agora eles são um povo acordado, que vai
lutar por seus direitos, que vai se ajudar e reinvidicar preços
justos de alimento, transporte e moradia... e isso quem contou pra
eles, foi aquele povo que passou ali na Antônio Carlos marchando...
Não ouso dizer que
alguém de fato esteja acordado, mas sim que estamos acordando, e é
preciso que a gente se cutuque, que se ajude a manter-se acordada. É
preciso se preocupar com que o resto da gente, que não estava na
marcha, que talvez não leu os mesmos feeds do Facebook, vai tirar de
nossas atitudes. E isto não significa que temos que fazer algo que
gostem, ou aprovem, mas algo que mostre uma atitude consciente de
combate e resistência às opressões diárias que a classe
trabalhadora sofre no seu dia a dia, e que nós, enquanto povo
brasileiro, também sentimos. Estou dizendo que com esta atitude cada
um de nós pode mostrar ao povo, que enquanto estudantes e
profissionais das mais diversas áreas, de ciências humanas às
exatas, da engenharia até o mais simples trabalho de escritório,
não desprezamos e fingimos não ver os moradores de rua que são
discriminados por não ter lugar onde morar, os profissionais
liberais e vendedoras ambulantes, que tem seu lugar e direito de
exercer a profissão negados, os que são considerados doentes
mentais e são enclausurados em manicômios, os que sofrem
preconceito e violência por sua sexualidade, os usuários de crack
que são assassinados e internados contra sua vontade no processo de
higienização social, a população negra que sofre com o racismo e
genocídio pelo simples fato de sua cor, as mulheres que são
reprimidas por lutar por sua liberdade e igualdade civil, e que por
fim, não nos desprezamos também enquanto trabalhadores e cidadãos,
que utilizamos de nossa capacidade de usar as tecnologias sociais da
internet, e nos articularmos e organizarmos-nos em manifestações
políticas, usando de nosso tempo livre para protestar pelos direitos
humanos de todos à quem isto têm sido negado, e mostrar assim e de
diversas outras formas, que não só estamos ao lado do povo, mas
também somos parte dele.
O Facebook nos mostrou
que temos uma mensagem comum a passar para todas as pessoas, do
Brasil e do mundo, a de que nós estamos dispostos a lutar por nossos
direitos e liberdades. E isto significa também, saber que cada um de
nós é mais do que uma história em particular, mas faz parte de uma
narrativa mais ampla e geral, que constitui um povo. Vivemos em um
mundo de diversidade e globalização, e quando nos manifestamos
publicamente na cidade, estamos falando a uma diversidade de povos, a
diversas gerações diferentes, e que participam da constituição do
povo brasileiro. A manifestação é um meio de falar com todo o
povo, e é por isso que os governantes, corporativistas, ruralistas,
etc, estão loucos e tentam o tempo inteiro desqualifica-la na TV. É
como apontar para os mais de 20 mil manifestantes e dizer, estão
loucos! Mas aquilo ali é nossa fala legítima, enquanto povo que
luta por si mesmo, e é por isso que temos que nos esforçar para que
nosso objetivo ali tenha em vista sempre o bem do povo, e que isto
não se perca no meio dos confrontos que já vieram e virão.